Ansiedade: entre o desejo de controlar e o medo de existir
- isadora delfino
- há 2 dias
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Em um mundo hiperconectado, com acesso ilimitado à informação, estamos habituados a resolver as coisas de forma instantânea. Com um clique, pesquisamos, resolvemos, conversamos e acessamos infinitas formas de conhecimento. Temos medo daquilo que não sabemos: o desconhecido nos expõe à vulnerabilidade de não ter garantias, e nos confronta com o que mais evitamos: a incerteza e o desamparo.
Diante do medo daquilo que não conhecemos, tentamos compensar a fragilidade da incerteza controlando, antecipando, criando cenários possíveis. Queremos reunir todo saber ao nosso alcance para nos proteger daquilo que não dominamos e não podemos prever. Esse esforço por controle abre espaço para a ansiedade, que nasce, justamente, da tentativa de transformar o desconhecido em algo administrável, controlável, previsível.
A ansiedade é o reflexo e o mal-estar de um tempo que não tolera a espera e nos cobra a todo momento. Vivemos numa cultura que exige respostas rápidas, soluções instantâneas e falsas certezas. Queremos sentir que temos domínio sobre o que virá, sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos.
O controle surge como uma forma de defesa, uma tentativa de lidar com aquilo que escapa: o outro, o tempo, o acaso, o desconhecido, o novo. A ansiedade surge justamente quando o esforço de manter tudo no lugar se torna uma prisão invisível, como uma armadura que pesa mais do que protege.
Ansiedade e controle: entre o medo e a entrega
Nas relações, o desejo de controle se manifesta como medo da perda e do abandono, necessidade constante de confirmação e validação, vigilância, ciúmes, pensamentos paranóicos e obsessivos e dificuldade de confiar no outro e em si mesmo. No fundo, queremos nos proteger do que pode nos machucar, evitando a frustração, rejeição, risco e decepção. A confiança se estremece, esse espaço delicado em que não se sabe tudo, mas se escolhe permanecer mesmo assim.
Confiar é o gesto de sustentar o não saber sem fugir dele, é permitir que o vínculo exista mesmo sem garantias. A confiança não nasce da certeza ou do controle, mas da entrega, do movimento de quem, mesmo com medo, se permite viver o encontro com o outro.
Entre o ideal e o possível
O controle, o medo e a ansiedade se manifestam nas relações com os outros e nas nossas relações consigo mesmo. Estão nas metas inalcançáveis, na autocrítica incessante, na incapacidade de descansar, na cobrança extrema, na exigência contínua por mais produtividade, mais resultados, mais perfeição. Por trás dessa rigidez, habita um medo antigo: o medo de falhar, de não ser suficiente, de decepcionar, de fracassar.
O psicanalista Donald Winnicott nos lembra que a vida psíquica saudável precisa de um espaço intermediário entre o subjetivo e o que é vivido objetivamente. Os fenômenos transicionais, tal como ele propõe, são territórios entre a realidade interna e a externa, onde podemos brincar, criar e existir sem a exigência de perfeição e das regras, onde podemos fantasiar, experimentar, criar ilusões, sonhos e ideias. É nesse espaço lúdico que o sujeito experimenta a liberdade de sonhar, fantasiar, errar e se reinventar.
Quando a ansiedade toma conta do psiquismo, esse espaço transicional se enfraquece. A vida torna-se uma sequência de metas a cumprir, tudo vira cálculo, desempenho, cobrança e comparação. Perde-se o brincar, o improviso, o espontâneo, e com isso, perde-se também o prazer de existir e experienciar a vida como ela é.
A ansiedade como sintoma
Em “Os caminhos da formação dos sintomas”, Sigmund Freud entende o sintoma como o retorno daquilo que tentamos dominar, controlar e reprimir. O recalcamento nunca é absoluto e o que é rejeitado pela consciência procura novas vias de expressão, novos caminhos para se fazer ouvir.
Para a psicanálise, o sintoma não é apenas um erro ou um problema a ser eliminado, mas uma formação do inconsciente: uma tentativa criativa e inconsciente do sujeito de lidar com um conflito psíquico. Ele é, de acordo com Freud, um compromisso entre o desejo e a defesa, um modo de expressar algo que não pôde ser dito, mas insiste em se manifestar, uma forma de expressar o indizível e dar corpo ao que foi silenciado.
Assim, a ansiedade pode ser compreendida como um sinal de conflito entre o desejo e o medo, uma tentativa do psiquismo de conter o desamparo e evitar o encontro com o real, aquilo que escapa à simbolização, que não se deixa prever nem controlar.
A ansiedade se manifesta de diferentes formas: insônia, inquietação, tensão muscular, taquicardia, hipervigilância, crises de pânico, irritabilidade, dificuldade de concentração. pensamentos repetitivos, ânsia por controle
Todos esses sinais são convites do corpo e da mente para olharmos com mais atenção para o que está sendo evitado, reprimido ou excessivamente contido.
O sintoma, portanto, não deve ser apenas combatido, mas escutado. Ele carrega uma mensagem, um pedido de elaboração. É a expressão do conflito entre o desejo e a necessidade de segurança, entre o impulso de viver e o medo de se perder.
Quando se permite que essa escuta aconteça, o sintoma deixa de ser apenas sofrimento e se transforma em possibilidade de criação.
Psicoterapia: o caminho do encontro com o real
Talvez o caminho não seja “acabar com a ansiedade”, mas reconciliar-se com o não saber, com o mistério que nos constitui e com o fato de que a vida não pode ser inteiramente prevista.
O “real”, em psicanálise, é aquilo que resiste à simbolização, o que não cabe nas palavras nem nas tentativas de controle. É o que escapa, e é justamente aí que a vida pulsa.
A psicoterapia pode ajudar a compreender de onde vem a ansiedade, o que ela tenta proteger, o que comunica e o que pede para ser reconhecido. No espaço terapêutico, é possível nomear o medo, dar sentido ao sintoma e, aos poucos, abrir mão do controle como defesa.
A terapia não elimina a incerteza, mas nos ensina a acolhê-la. E, quando conseguimos acolher o que é incerto, a vida deixa de ser um campo de batalha e volta a ser um espaço de encontro, experimentação, desejo e afeto.
Referências Bibliográficas
Freud, S. (1980). Inibição, sintoma e angústia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XX (1926). Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1980). O mal-estar na cultura. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XXI (1930). Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1980). Os caminhos da formação dos sintomas. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XXIII (1933). Rio de Janeiro: Imago.
Winnicott, D. W. (1975). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: Winnicott, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.




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